Herculano Pires
O desapego é uma constante nas lições dos grandes
mestres espirituais. E mesmo na vida terrena as pessoas
sensatas e experientes compreendem os perigos do apego
amoroso. Todas as escolas de psicologia denunciam esses
perigos e, desde os gregos até nós, os filósofos ensinam
que a felicidade depende da nossa capacidade de libertar-
nos do apego às coisas e aos seres.
O ciúme é sintoma de apego e leva a desequilíbrios
perigosos, podendo gerar doenças graves e acarretar
crimes nefandos.
Lemos sempre nos jornais a expressão: "Matou por amor".
Mas a verdade é que o amor não mata, pois o amor é vida
e não morte. O que mata é o ciúme, o apego amoroso,
gerado por sentimentos inferiores de posse exclusivista da
pessoa amada.
Esses sentimentos são resquícios animais da espécie que
racionalmente devemos expulsar de nós, ao invés de
racionalmente aumentá-los, como em geral fazemos.
Nossa imaginação pode levar os instintos animais a
intensidades ameaçadoras, o que jamais ocorre nas
espécies animais. Temos de aprender a amar sem apego.
Quando Cornélio escreve que "o amor na totalidade é a
natureza de Deus", lembra-nos a afirmação de João, em
seu Evangelho: "Deus é amor". E Cornélio tira deste
princípio a explicação do antigo mistério da presença de
Deus em nós, afirmando: "O amor é Deus em nós todos,
cada qual tem um pedaço."
A seguir, adverte que quanto menos possessão puser no
amor, mais amor teremos em nosso coração. É impossível
dar-se uma lição tão elevada com palavras mais simples e
de maneira mais natural.
Toda a dinâmica da evolução espiritual se esclarece na
simplicidade caipira desses versos.
Deus está presente em nós pela nossa capacidade de
amar, mas enquanto não superarmos o nosso egoísmo, que
tudo quer com exclusividade, o amor permanecerá
sufocado pela vaidade, o desejo e a ambição.
Poderíamos perguntar: mas se o amor é o próprio Deus,
por que ele não vence o nosso apego?
A resposta é clara: porque amor é liberdade.
O amor é Deus chamando-nos para a liberdade,
convocando-nos ao desapego por nossa própria
compreensão e decisão.
Deus não nos ama com apego, mas com liberdade, e por
isso não quer impor-nos a compreensão do amor que
devemos atingir por nós mesmos.
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