Mediunidade em criança
A mediunidade é uma delicada flor que, para desabrochar, necessita de acuradas precauções e assíduos cuidados. Exige o método, a paciência, as altas aspirações, os sentimentos nobre [...] (Leon Denis).
A infância é uma fase que favorece a manifestação de fenômenos mediúnicos. É que a ação do Espírito recém-reencarnado sobre sua indumentária física não é completa: o acoplamento celular do perispírito com o corpo somente vai se concluir por volta dos sete anos de idade. Durante esse período, o anjo de guardo e os demais Espíritos interessados no sucesso do reencarnante vão estar mais amiúde em contato com ele, lembrando-lhe durante o sono e pela inspiração os compromissos assumidos e fortalecendo-o com palavras encorajadoras. Daí encontrarmos as crianças conversando com seus “amiguinhos imaginários”, sorrindo durante o sono, evidenciando estar vendo alguém ou alguma coisa que lhes agrada, enquanto os adultos nada percebem. Muitas vezes, as reações são contrárias: a criança chora dormindo, se assusta com “nada”, desperta aos gritos ou mal-humorada. São, às vezes, seus adversários, que, durante o desprendimento do Espírito pelo sono, estão a perturbar, dificultar sua jornada, não obstante o amparo dos bons Espíritos, cuja atuação tem limites, estabelecidos pelo uso do livre-arbítrio do Espírito reencarnado, mesmo na fase infantil.
A mãe que bem compreende esses fenômenos busca, pela oração, o concurso dos benfeitores espirituais para fortalecer o seu filho nos primeiros trechos da nova experiência de vida - e a si mesma -, pois tem a missão de reeducá-lo e devolvê-lo ao Criador em melhor condição espiritual. Quando não compreende o que está se passando, deve recorrer ao estudo das obras básicas do Espiritismo e à orientação segura de uma Casa Espírita que funcione embasada nos postulados cristãos e na codificação kardecista.
Embora tais fenômenos possam ser denominados mediúnicos, não significa que a criança seja médium no verdadeiro sentido da palavra. Ela está sendo “mediunizada”, influenciada fortemente por entidades invisíveis, mas não se tem certeza que seja médium. Para tornar mais claro o que queremos dizer ouçamos as considerações que o Codificador faz a respeito: “Os médiuns são os intérpretes incumbidos de transmitir aos homens os ensinos dos Espíritos; ou melhor, são os órgãos materiais de que se servem os Espíritos para se expressarem aos homens por maneira inteligível” (EE: cap. 28, item 9). E, mais ainda, médium é somente aquele “em quem a faculdade mediúnica se mostra bem caracterizada e se traduz por efeitos patentes, de certa intensidade, o que então depende de uma organização mais ou menos sensitiva” (LM: item 159). Ora, se não é isso o que está acontecendo com sua criança, ela não é médium, no preciso significado do termo, e, por isso, não se deve buscar desenvolver o que ela não tem.
- Haverá inconveniente em desenvolver-se a mediunidade nas crianças?
- Certamente e sustento mesmo que é muito perigoso, pois que esses organismos débeis e delicados sofreriam por essa forma grandes abalos, e as respectivas imaginações excessiva sobreexcitação. Assim, os pais prudentes devem afastá-las dessas idéias ou, quando nada, não lhes falar do assunto, senão do ponto de vista das conseqüências morais.
- Há, no entanto, crianças que são médiuns naturalmente, quer de efeitos físicos, quer de escrita e de visões. Apresenta isto o mesmo inconveniente?
- Não; quando numa criança a faculdade se mostra espontânea, é que está na sua natureza e que a sua constituição se presta a isso. O mesmo não acontece quando é provocada e sobreexcitada (LM: item 221, q. 6-7).
Como vemos, pela imaturidade que a incapacita de lidar com a mediunidade e pelo desconhecimento do assunto, as crianças e os jovens, na sua grande maioria, não saberão fazer uso disciplinado de tão sublime e valorosa faculdade de que são portadoras.
Mas quando deverá a criança ser encaminhada ao estudo e à responsabilidade da sua faculdade, desabrochando ela espontaneamente? Respondem os Espíritos ao Codificador: “Não há idade precisa, tudo dependendo inteiramente do desenvolvimento físico e, ainda mais, do desenvolvimento moral. Há crianças de doze anos a quem tal coisa afetará menos do que a algumas pessoas já feitas” (LM: item 221, q. 8)
A mediunidade não tem preconceitos de cor, idade, religião, sexo e moralidade, por essa razão ela aflora em qualquer pessoa, independentemente de crer ou não na comunicação com os Espíritos. Eclode, muitas vezes, em quem não detém valores morais a altura de usá-la a serviço do Bem, em consonância com as Leis Divinas e com os ensinamentos do Mestre Jesus. “A faculdade mediúnica” – assevera o professor Allan Kardec – “é uma propriedade do organismo e não depende das qualidades morais do médium; ela se nos mostra desenvolvida, tanto nos mais dignos , como nos mais indignos. Não se dá, porém, o mesmo com a preferência que os Espíritos bons dão ao médium” (QE: cap. 2, Item 79).
Não obstante o que aprendemos, a mediunidade, muitas vezes, eclode de maneira espontânea, em crianças que já vêm preparadas para a sublime tarefa, trazendo um mandato mediúnico. Os anais do Espiritismo dão exemplos de crianças e jovens cuja mediunidade desabrochou de forma espontânea, e somente o futuro disse o porquê de tão cedo se envolverem com tais fenômenos.
De relance, lembramos de Eusápia Paladino (Itália: 1854-1918), com sua extraordinária mediunidade de efeitos físicos já na adolescência, que chamou a atenção de muitos estudiosos sérios, entre eles César Lombroso e Charles Richet. Lembramos de Carmine Mirabelli (1889-1951), nascido em Botucatu, São Paulo. Era considerado o médium mais completo do mundo, pois possuía todas as faculdades que se possa imaginar. Psicografou mensagens em 28 idiomas! e provocava materializações à luz do dia. Sua mediunidade aflorou na adolescência. Trabalhando numa loja de calçados, foi demitido porque os sapatos, graças àquela faculdade, desciam das prateleiras e caminhavam pelo balcão, assustando os fregueses.
Merece destaque Ivone A. Pereira (1906-1984), nascida no município de Valença, no estado do Rio de Janeiro. É considerada uma das maiores médiuns do Brasil, não somente pelas suas obras mediúnicas, mas, acima de tudo, pela sua vida exemplar. Psicografou valiosas obras, entre elas os clássicos Recordações da mediunidade, Devassando o invisível, Memórias de um suicida. Em À Luz Consolador, conta que com um mês de idade quase foi enterrada viva devido a um ataque de catalepsia, fenômeno mediúnico pouco conhecido da ciência e dos estudiosos da mediunidade. Nessa obra autobiográfica, diz ela textualmente: “Nunca desenvolvi a mediunidade, ela apresentou-se por si mesma, naturalmente, sem que eu me preocupasse em atraí-la, pois, em verdade, não há necessidade em se desenvolver a faculdade mediúnica, ela se apresentará sozinha, se realmente existir, e se formos dedicados às operosidades espíritas”. É oportuno acrescentar que o possuidor da faculdade mediúnica deverá educá-la, aprendendo, assim, a usá-la de forma racional e disciplinada a serviço do Bem, tal como fez Dona Pereira.
Exemplo de mediunidade precoce, que a história jamais esquecerá, foi a de Francisco Cândido Xavier (1910-2002), nascido em Pedro Leopoldo, Minas Gerais. Revelou-se médium aos quatro anos de idade, no momento em que seus genitores conversavam a respeito de um aborto ocorrido com uma vizinha e usavam o episódio para criticá-la. De repente, Chico interrompeu o diálogo com palavras totalmente inesperadas para sua idade e incompreensíveis para os pais: “O senhor – diz o menino, está desinformado sobre o assunto. O que houve foi um problema de nidação inadequada do ovo, de modo que a criança adquiriu posição ectópica”. João Cândico, o pai, perguntou espantado o que era nidação e ectópica, e o menino Chico respondeu que não sabia também e que apenas repetira as palavras que lhe haviam sido ditas por uma voz. Aflorava ali, de modo espontâneo, passivo e belo, o mandato mediúnico do Chico Xavier.
No entanto, existem casos isolados de afloramento da mediunidade em crianças, que vão merecer uma apreciação toda especial e, indiferente aos cuidados ou ações contrárias dos pais e familiares, a faculdade se imporá, desde que o Espírito respeite o que prometeu a si e aos seus mentores antes de reencarnar. A família de Francisco Cândido Xavier e os amigos, por não compreenderem os fenômenos que com ela aconteciam, tudo fizeram para desviá-lo de sua missão, mas ele não se abateu e tornou-se o líder espiritual de mais de dois milhões de adeptos do Espiritismo, segundo o IBGE. Mas sabemos que esse número não retrata fielmente a verdade, já que milhares de brasileiros, mesmo adotando o Espiritismo na crença prática, declaram-se católicos por tradição. Chico Xavier sublimou a mediunidade e com ela abriu clarinadas de luz na história espiritual da Humanidade.
Para finalizar este capítulo, outra consideração se faz necessária. Determinadas manifestações mediúnicas pela criança, não raro, são respostas ao clima psíquico-espiritual reinante no ambiente doméstico, conforme nos alerta o estudioso da mediunidade Roque Jacintho: “[...] não olvidemos o quadro de perturbações momentâneas a que a criança está sujeita a sofrer em decorrência do clima espiritual desequilibrado de seu lar. Essas perturbações, muito freqüentes, poderão ser confundidas com mediunidade espontânea, mas cessarão tão logo o lar se reequilibre, porque eram efeitos e não a causa da ocorrência”. O psicólogo suíço Carl Gustav Jung também estudou a influência do clima mental dos pais sobre os filhos. O criador da psicologia analítica, com sua forte intuição, percebera que:
[...] do mesmo modo que a criança, durante a fase embrionária, quase não passa de uma parte do corpo materno, do que depende completamente, assim também de modo semelhante a psique da primeira infância, até certo ponto, é apenas parte da psique materna e, logo depois, também da psique paterna, em conseqüência da atuação comum dos pais. Daí provém o fato de que as pertubações nervosas e psíquicas infantis, até muito além da idade escolar, por assim dizer, se devem exclusivamente a perturbações na esfera psíquica dos pais(grifamos).
Jung, por meio de sua mediunidade intuitiva, oferecia à ciência tradicional uma verdade que o Espiritismo já conhecia.
Fonte: ALMEIDA,
Waldehir Bezerra de. Criança: uma
abordagem espírita. Matão-SP: Casa Editora “O Clarim”, 2007