CONSEQUÊNCIAS
DA OMISSÃO
Cabe aos pais a missão de educar os filhos,
aperfeiçoando-lhes o sentimento e o caráter desde os primeiros dias da
infância.
Os espíritas, por terem o conhecimento presos
às malhas do passado, têm maior consciência quanto a necessidade de correção e
burilamento das tendências inatas dos filhos, que vão aflorando na infância –
melhor período para educação.
É de fundamental importância a vigilância
sobre as tendências de nossos filhos, a fim de evitar que, em vez de fertilizar
as boas sementes, estejamos adubando a erva daninha em seu coração. Faz-se
necessário um acompanhamento constante das atitudes de nossos tutelados.
Infelizmente, cada vez mais os pais dedicam menos tempo aos filhos, muitas
vezes por causa do trabalho excessivo, do corre-corre diário e das mais
diversas necessidades que julgam prioritárias. No entanto, a omissão de hoje poderá
acarretar, amanhã, desequilíbrios e sofrimentos atrozes para toda a família. O
relaxamento dos pais levará os filhos a um estado de despreparo moral ante a
vida.
Para ilustrar uma das possíveis conseqüências
da omissão transcreveremos um triste conto retirado da revista reformador:
O fato se passou numa cidade do sul da
Inglaterra, cujo nome me escapa agora à lembrança. A população vivia
aterrorizada com os assaltos e roubos alarmantes que ocorriam periodicamente,
praticados sem que o organismo policial, todo mobilizado, conseguisse prender o
perigoso gatuno, que matava a sangue-frio e roubava com rara habilidade. Ele
sabia despistar bem e quase sempre fazia que alguém fosse preso em seu lugar,
para descrédito e desapontamento dos capturadores.
Os casais já não se sentiam seguros em seus
passeios.
Os comerciantes e os industriais
perguntavam-se si mesmos que terrível surpresa lhes estaria reservada no dia
seguinte, quanto às proporções de prováveis desfalques.
Os chefes de família perdiam um tempo enorme
correndo a casa toda e espiando as imediações a ver se não havia alguém
embuçado nas sombras ou metido nalgum desvão de suas próprias construções ou
das dos vizinhos.
A inquietação era geral. Embora ninguém
dissesse nada a ninguém, um sabia do motivo das apreensões do outro.
Pairavam assim essa onda de sobressaltos pelo
ar, quando, de um momento para outro, se espalhou pela cidade a notícia de que
o famigerado meliante fora capturado.
Durante bom número de dias não se falavam
noutra coisa em todos os cantos e recantos do burgo, e até mesmo muito além de
suas fronteiras, repercutindo por quase toda parte do país.
Para subtraí-los à curiosidade pública, a
chefatura de polícia cominara-lhe prisão incomunicável.
Depois de ter-se submetido aos impositivos
judiciários, veio a sentença inapelável: caminho da força.
No dia aprazado para a execução da pena de
morte, a praça onde se dirigia o cadafalso regurgitava de gente, uns se
comprimindo de encontro aos outros, indo e vindo em desconexos movimentos, para
lograr posições que lhes possibilitassem melhor linha de visada, na seqüência
do triste e doloroso acontecimento.
Eis então quando chega o momento culminante:
assomam ao patíbulo as figuras representativas da justiça, juiz, promotor,
escrivão, acompanhados pelo carrasco.
Em nome da Lei, é facultado ao condenado
fazer seu último pedido.
Silêncio e expectativa. Todos os olhos se
voltam, mas do que antes, insistentes e indagadores, para o pobre grilheta do
crime.
- Que iria ele pedir? – como que pergunta
cada um a si próprio.
-Meritíssimo Juiz, gostaria de ver minha mãe.
- Seja feita a vontade do condenado.
Levaram então ao tablado uma senhora já meio
idosa, mas que ainda caminhava com relativo aprumo.
Seria de se esperar que o inditoso homem se
lhe atirasse aos braços, cingindo-a de encontro ao coração, e dela se
despedisse com um ósculo ternamente filial. Mas, qual não foi a surpresa dos
espectadores, quando o viram pespegar-lhe cruel dentada nunca das faces.
Houve um quê de estupefação na massa
compacta, seguindo de geral sussurro.
As autoridades, nervosas, erguem-se num ápice
de tempo. Uma delas, não me lembro bem se o juiz ou o promotor, pergunta ao
delinqüente:
- Que vem a ser isso? Não entendo, não
entendemos.
- Ninguém entende – interveio um dos
circunstantes mais próximos.
- Senhores –falou por fim o prisioneiro -, eu
me explicarei, eu lhes explicarei.
-O que vêem neste momento não seria preciso
que lhes dissesse – é o triste epílogo de uma acidentada existência de crimes.
Talvez não tivesse chegado a este fim, se outra fosse a orientação materna com
relação a mim. Os assaltos e roubos de minha autoria são sobejamente
conhecidos, para eu pensar em recapitulá-lo nesta sóbria hora do meu destino.
Mas eles tiveram, como tudo, seus começos. A primeira coisa que eu levei para
casa, fruto, foi um estojo de costura, subtraído do balcão de uma loja
costureiros. Entreguei-o a mamãe; ela olhou em minhas mãos, tornou-o na suas,
revirou-o de cima para baixo, de baixo para cima, e guardou-o. Sabia que eu não
trabalhava e que não tinha dinheiro, mas não me disse palavras, nem mesmo me
perguntou onde, como, quando e por quantos o adquiri. A segunda leva de
objetivos foi de quinquilharias: brincos, broches, braceletes. Mostrei-os a ela
e disse-lhe que iria vendê-los para arranjar algum dinheiro. Também dessa feita
não me falou nada, nem procurou saber como os havia obtido. No terceiro fruto,
entrei com algumas mercadorias em casa: umas peças de roupa e uns artigos de
bijuteria. Minha mãe os viu, e ainda nessa oportunidade não me fez interpelação
alguma. Sabia que eu continuava sem trabalho, não tendo onde ganhar dinheiro; mas,
nem por isso, deixava de comprazer-se em recolher as novidades que lhe levara.
Notando que não era chamado a atenção, que meus atos não eram reprovados, que
tudo corria bem, achei bom negócio continuar apropriando – me das coisas
alheias, senti-me estimulado à delinqüência. Agora, aqui estou, perante os
senhores, nos meus derradeiros instantes de vida, como macabro coroamento de um
primeiro passo em falso que não foi acertado e de alguns erros iniciais que
deixaram de ser devidamente corrigidos. Se minha mãe me tivesse educado,
certamente eu não seria o ladrão que sou hoje, de presença indesejável na
sociedade, que nesta tarde aprova e aplaude a minha eliminação. Compreendem,
agora, o motivo do meu gesto?
E concluía suas últimas palavras
desfazendo-se em lágrimas e soluços. Todos os olhares voltaram-se para a
infeliz mulher, enquanto o corpo do desventurado moço pendia do baraço, selando
uma sentença inapelável. Dizem que a pobre coitada apenas sobreviveu algumas
horas ao filho imolado à pena de morte.