A CRIANÇA DIANTE DA MORTE
Nenhum tema pode ser tão atual e universal quanto o temor do homem para com a
morte, por ele nos revelar o nosso despreparo quanto ao nosso auto-conhecimento, processo
que inevitavelmente faria emergir outros tantos medos que afligem o homem, como o da dor
e da solidão. Compreender e aceitar a nossa finitude física e a imortalidade da alma deveria
tornar-se um assunto em pauta não somente na educação formal e espiritual de adultos, mas
fundamentalmente na formação infantil.
A questão da origem da vida e da morte sempre esteve presente não somente na
mente adulta, mas também na infantil e deixá-la desamparada e despreparada, tornaria mais
difícil a sua caminhada frente às necessárias e naturais “mortes” e “renascimentos” que
ocorrerão ao longo de sua existência (a perda da infância, a perda de um amor, do vestibular,
do emprego, de um ente querido, etc.). Toda perda é a “morte” psicológica ou real de algo
ou alguém e, ao passarmos por ela sejamos nós, adultos, ou as crianças, sofremos as mesmas
fases reativas (também chamadas de fases do “luto”), tais como: a negação ou a indignação
diante da iminente ou comprovada perda; os acessos de raiva ou inconformação; o desespero
na busca de saídas/desculpas mágicas ou tentativas de reversão do quadro; a depressão, o
sentimento de culpa e fracasso e, finalmente, a parcial ou plena aceitação, também chamada
“transcendência”. Preparar-se para reconhecer essas fases, seus significados e finalmente,
transcendê-las, em muito ajudarão ao processamento do luto de forma gradual e menos
Pensar e falar de morte nunca foi um tema mórbido, e o é somente para aqueles que
ainda não absorveram o seu real sentido e não crêem na pluralidade das existências. Esse
despreparo ou resistência só vem a tornar mais doloroso o período que o sucede, o qual
já citamos e chamamos de “luto”, dificultando o seu desenvolvimento sadio e as lições
espirituais que dele poderíamos absorver. Sabiamente tem-se dito que quem não teme a morte
não teme as dificuldades da vida, sendo o inverso igualmente verdadeiro. Ao aprendermos
a nos preparar com serenidade para a morte ou para as possíveis perdas, sejam estas as
nossas, as de quem amamos ou a que estamos apegados, aprenderemos a valorizar a vida,
redimensionando nossa visão das coisas, pessoas e fatos à nossa volta, dando o real valor que
devem possuir em nossas vidas. Com certeza viveremos e amaremos melhor.
Privar as crianças dessas verdades seria o mesmo que mentir para elas, revelando
nossas fraquezas e medos. Desde cedo, de forma adequada ao seu nível de compreensão, ela
deverá reconhecer a inevitabilidade da morte e suas conseqüências, e que ela não se trata de
uma terrível ameaça, mas de um fenômeno de mutação natural à nossa evolução. Ocultar a
verdade ou mentir à criança, além de adiar e acrescer sofrimentos futuros, subestimam sua
capacidade de percepção do mundo, fazendo-a sentir-se enganada ou considerada ingênua,
causando-lhe um profundo sentimento de solidão e insegurança com relação aos que a
Todo ser humano, ao deparar-se com a dor da perda e da separação, não se permitindo
“processá-la” de forma equilibrada, pode vir a transmutá-la em enfermidades físicas, mentais
e espirituais, e na criança não é diferente. O processo de “luto” saudavelmente finalizado
permite ao ser que sofre a compreensão e internalização definitiva da perda, cedendo o espaço
disponível para outras relações e aquisições necessárias.
Algumas pessoas argumentam que as crianças não possuem capacidade para apreender
o real sentido da morte. Em parte têm razão, dado sua imaturidade psico-fisiológica, mas isso
não lhes tira a capacidade de apreendê-lo de forma gradual e adequada à sua possibilidade
perceptiva. Pesquisas realizadas por estudiosos na área demonstram que quanto maior número
de informações possam obter, melhor apreendem o seu sentido. Até os cinco anos a criança
ainda não percebe a morte como definitiva e irreversível, podendo esta se encontrar associada
ao conceito de sono ou de separação. Essa noção de reversibilidade da morte pode explicar o
Fonte: BARRRETO, E. F. P.; CARNEIRO, T. M. F. (organizadoras) Guia útil dos pais: Uma Abordagem
Educacional Espírita. 2a Edição – Fortaleza – CE: Edições GEPE – Grupo Espírita Paulo e Estevão, 2004.
comportamento defensivo de crianças suicidas, podendo haver uma ligação entre o suicídio
infantil e o conceito imaturo e distorcido da morte. Entre os cinco e os nove anos, a morte já
é percebida como irreversível, mas não universal. A partir dos nove anos a morte é encarada
como cessação de atividades com características universais e irreversíveis (esses dados podem
sofrer variação segundo a individualidade de cada criança).
Em contrapartida, é importante lembrar que falar a verdade a respeito da morte
não significa uma exposição ostensiva à mesma. Os diálogos fraternos, sistemáticos e
adequados à sua compreensão em certo possibilitarão o acesso a essas informações de forma
menos traumática. Por exemplo, levar uma criança a funerais ou qualquer tipo de ritual
fúnebre só deverá ocorrer com a sua expressão de aceitação e plena vontade, respeitando-
se seus limites emocionais e psicológicos. O que não lhe deve ser retirado é o direito de
conhecer a verdade e de expressar seus sentimentos e necessidades da forma que lhe for mais
conveniente. Mentiras, fantasias desnecessárias ou uma sinceridade cruel em nada facilitarão
a compreensão da nova realidade.
Outro fator a acrescentar seria a forma como expressamos a nossa dor, os nossos
medos e valores diante das crianças. Quando mais intensos e desequilibrados estes forem,
maior a probabilidade de a criança os introjetar e repetir ao longo de sua vida. O ideal seria
se expressássemos nossa dor da forma mais genuína e equilibrada possível, pois precisamos
também nos lembrar do bem-estar dos demais envolvidos: de nós mesmos e de quem partiu,
que também sofre as influências da separação.
Em resumo, o conhecimento e a compreensão dos fenômenos que envolvem a morte
e as verdades espirituais deverão desde cedo ser inseridos na educação das crianças para
que elas estejam mais bem preparadas quando a vida as tornarem forçosamente necessários.
Utilizar-se de palavras, atitudes e experiências (jogos, estórias, técnicas psico-pedagógicas,
etc) equilibradas e sadias em muito contribuirão para uma visão mais assertiva não somente
da morte, mas de todos os fenômenos que envolvam a dor da perda, da separação e da solidão.
Longe de enfraquecê-la e amedrontá-la (a fraqueza e o medo estão em nós, pois vemos o que
somos), torná-la-ia mais forte e apta para a vida.
Fonte: BARRRETO, E. F. P.; CARNEIRO, T. M. F. (organizadoras) Guia útil dos pais: Uma Abordagem
Educacional Espírita. 2a Edição – Fortaleza – CE: Edições GEPE – Grupo Espírita Paulo e Estevão, 2004.
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